terça-feira, 17 de novembro de 2009

Outra canção da despedida.

só a sensação de estar vivo
tocar a saudade
furtar-me-á o sono
a cantarolar de frio
tremer de felicidade, a plena
chorei, ao ver o dia se fechar pra mim
e já é hora de dormir
largar todo feito
a me privar parcialmente do amanhã
solfejar sem leito, peito aberto
descativo, em tempo
voltar pra casa
que me acolhe desde sempre
com chá e calor
por todos esses dias
e essa sensação
migrar-se-á pra o hoje
que sorte, que paz
mesmo aqui, posso ver
estou vivo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Menino dos pés.

Já fui menino dos pés
pés descalços nas Minas Gerais
de velhas chacinas de almas perdidas
de olhos vidrados na pelota
despreocupado de tudo, por nada
rei da minha puerícia

já fui caubói, senhorita
do sorriso sincero e convidativo
timidez no abraço tinha
e em árvores me via
no vento recreava, brilhante como tudo que é feliz

já fui moço, ah
das mãos, probo moço
a dedilhar o futuro na viola primeira
sempre clamado pelo Rio
de saudosa Mangueira
de novas latrinas de idéias malditas
da boêmia e do samba velhaco
da mãe do menino dos pés

hoje me pego, cria do menino
pensador pouco baldado
escritor de linhas mortas
que ganham vida só por ti
sou menino de novo
menino da menina, ah
dos pés, firmes, decididos
de vereda imutável
ainda clamado pelo Rio
terra matriz, que ao mundo te deu,
que ao tudo me deu - você.

domingo, 2 de agosto de 2009

Continua lindo.

Sou eu, sou eu
Que rabisco versos tais
Bambos a cair
Quaisquer que sejam eles
Sob o sol radiante do próximo passo
Alta Via d'um caminho sem volta
Grato pela graça
Canto você, nêga
Sonho você, sinto
Não durmo, canto
Sou eu
A tal vítima do afago
A correr Nossa Senhora
Cheio de mar ao lado
Saudoso, então, abalado
Cheiro de mar, sou eu
Mas, dane-se a orla
Que já tenho o céu.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Uma perda.

Mesmo em meio a colidências paternais bélico-conflitantes situações caseiras, ver o pai da gente abatido é algo um tanto chato e desagradável.

Estava eu em guerra com os métodos ineficientes e pseudo-modernistas do meu pai, semana passada, como de praxe, resolvi sair pra espairecer, em meio ao ambiente festeiro que essa época do ano, graças às inúmeras festas juninas (e julinas) proporcionam. Recebo um telefonema. Minha mãe, com uma voz meio receiosa, me diria ali, à 1 da madrugada que partiriam para o Rio de Janeiro pela manhã, pois meu pai acabara de perder uma de suas irmãs, que lá viviam. Era domingo. (Ela já vinha doente há tempos, disse ele a mim, em uma de nossas conversas raras. Tinha câncer de colo de útero. Sem reversão. Era uma bomba relógio.)
Me pegara desprevenido, sem reação àquela notícia assaz trágica. Embora eu tivesse puxado pela memória a fim de lembrar/realizar uma imagem, lembrança da tal vítima falal, nada constavam em meus arquivos reminiscentes, além do nome (pseudônimo, apelido, pelo qual era mais conhecida). Enfim, fiquei levemente abatido e preocupado.
Voltando pra casa, instantes depois, adentro meu quarto, que divido com meu irmão mais novo, mas, pra minha supresa, um corpo maior do que o dele se encontrava na cama do dito cujo. Sim, era meu pai, acordado, inquieto, às altas 3 e alguma coisa da madrugada. Se levantou, cabisbaixo, foi ao banheiro. Peguei algo pra morder e me sentei no sofá da sala. Veio ele, se deitou ao meu lado, com os olhos inchados de não-dormir. Me fitou n'aquele lance ímpar, visivelmente sem chão, me fazendo esquecer todas as nossas diferenças e critérios, peculiaridades. Não sabia o que dizer. Nada disse. Mordi umas duas vezes o salgado frio (que nem gosto mais sentia), engolindo mais saliva do que as calorias, me levantei, o abracei forte, beijei-lhe a testa, desejei boa viagem e desabei na cama, de coração cortado e pernas bambas, o amando mais do que o normal, querendo demasiadamente nunca mais surpreendê-lo n'aquela situação. E ali fiquei, tentando entender e incorporar o que ele sentia. Não consegui. Adormeci.

segunda-feira, 30 de março de 2009

amanhã.

amanha eu vou olhar pra trás
ver o quê?
ontem olhei pra você, te fiz como nos sonhos
te quis como em chama
rosas brancas te dei, desbotadas
cansadas, esperançosas
te dei como nos dias
cinzas dias
ontem te vi assim, amanhã te tiro de mim

futuro real, se faz
santo apelo, àquele amanhã
te lanço no azul céu, com meus olhos fartos de desejo
pr'um futuro bom
que se forma a partir de um fio
meu cheiro, cabelos
meu jeito, apelos

*"futuro bom é aquele em que todos os verbos serão conjugados na primeira pessoa do singular..."
...futuro bom é aquele que a primeira pessoa do singular vira primeira do plural.



*(por Aava Santiago)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

mais uma epístola.

ainda carrego a jura
aura rude, saliente
de um querer caliente
ataco reluzente
o silêncio do escuro nada

ainda carrego o vício
de voar
a levar comigo o mar
com um laço
pra compensar
carrego teu cheiro
de dor
teu choro, pudor
teu briso fulgor
a vontade de te fazer rir
promessas tuas
a missiva, sutil
tua timidez
teu sorriso de lua
bradei para a rua
me absortar à ti

cintilas sobre si
danças sobre o futuro
atavias com o tempo
como se fosse teu
teu amigo-mor
teu abrigo, só.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

papo com o sol.

desatino
desafino sob teus raios firmes
simplicidade contagia
eu tenho a chave da tua translação, sol

sei de coisas
ando por aí, à toa
te levo comigo, sol
pro alto sem nuvens
te prometi algo
não me cobre mais
te levo comigo
tenho todo o tempo
vou te mostrar
fagulhas de saudade
pr'os teus raios firmes
onde não há nuvens

breve melodia se faz
se forma
se esvai
você vai
onde não há nuvens
nem maldade

simplicidade contagia
sangue puro e inocente limpa
receio não há
eu tenho a chave
eu sei de coisas
jagunço parrudo tem medo
de se sentar aí
mas eu garanti, siso
que daria certo

aonde não há nuvens
partimos por já
eu tenho as chaves
me diz
o que te assola?
te prometi algo
é simples
teu ouvido captou
trouxe a lua pra ti
eu tenho a chave
ainda tenho.

sábado, 17 de janeiro de 2009

ao zé.

ô zé, zé
aviso aqui
que vou pr'aí
fazer o quê?
aviso aqui

santo terror
tédio, ô, zé
eu vou pr'aí
passar natal
não fique mal
aviso aqui
que seja bom
pois hoje não
penso em mais nada
tédio, ô, zé
não fique mal

ser feliz assusta, ô
ponha água no feijão
pois vou pr'aí, zé
aviso aqui

vamos pular
passar natal
liga não, zé
prosas joviais
há vários natais

eu pra ir
mas liga não
aviso aqui
que vou pr'aí

pra pernoitar
não é pra já
aviso aqui
com saudade
acho maldade
ter que fugir
liga não, zé
eu vou pr'aí
aviso aqui

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

nobre desabafo.

ando assim, tão assim
marchando à favor
d'isto que prezo tanto
conspirando em amarga guerra escura e fria
transpirando, sob as facetas da monotonia
ai, se eu tivesse asas
ou fosse palhaço
encantaria Cassio
palácio, Luís
bendito infeliz que
matou prima minha
a Vera, que o verão esmagou
o verão esmagou, desafeto

ando assim, tão assim
chorando não ser rico
matando tempo com lixo
precisando desabafar
ai, se eu tivesse asas
minha voz fosse firme como trovão
teria o impossível em mãos
pra jogar tudo fora, mais tarde
pela janela, vai
estamos tão longe do fim
ando assim,
meio assim...